(continuação) O vídeo sobre o Antropoceno foi o assunto com maior destaque mediático de todos os apresentados na conferência Planet Under Pressure, em Londres. Uma nova época geológica resultante da actividade humana é um facto que obriga a reflectir sobre a forma como exploramos os recursos do planeta. E se a Comissão Internacional sobre Estratigrafia reconhecer o Antropoceno, teremos mais uma importante ferramenta de sensibilização ambiental, desta feita disseminada nos currículos escolares.
Além da proposta de actualização da época geológica, a conferência de Londres produziu um documento onde apelou: à criação de um Conselho para o Desenvolvimento Sustentável nas Nações Unidas (UN); ao maior financiamento à investigação e à educação, principalmente nos países em desenvolvimento; à reestruturação de instituições nacionais e internacionais de maneira a possibilitar uma efectiva gestão do planeta; ao reconhecimento do valor monetário e não-monetário de bens públicos, como saúde, educação, recursos globais e serviços prestados pela natureza; etc.. O caminho preconizado pelo último apelo parece ser o correcto, principalmente devido à incapacidade decisores políticos e económicos de perceberem o funcionamento dos sistemas naturais. E será um dos únicos capaz de produzir efeitos a curto prazo. Mas não é novidade.
No final de 2010 os representantes dos 193 países reuniram-se para a COP em Nagoya, Japão, pressionados por acontecimentos recentes, como o insucesso da Cimeira do Ambiente realizada em Copenhaga em Janeiro de 2010, o incumprimento das metas traçadas em 2002 na COP-6, e o derrame de petróleo no Golfo do México, com as conhecidas consequências ecológicas, económicas e sociais para todos os envolvidos.
No final da conferência definiu-se uma estratégia assente no valor económico da natureza, o que implicaria cobrar os serviços prestados pelos ecossistemas e envolver as empresas na conservação. O acordo de Nagoya incluiu num plano de acção com 20 itens com vista a preservar a biodiversidade. O plano contempla o aumento dos actuais 12% de área protegida terrestre para 17%, até 2020. Em igual período a superfície das áreas protegidas marinhas deverá crescer de 1% para 10%. As partes também decidiram financiar a protecção da biodiversidade em países em desenvolvimento. Outra novidade foi a garantia de compensação financeira aos países cujos recursos genéticos são explorados por terceiros. Esta reivindicação de um acordo de Acesso e Repartição de Benefícios (ABS) data de 1992 e tem sido inviabilizada por grandes lóbis, como, por exemplo, o da indústria farmacêutica.
À primeira vista a cimeira de Nagoya foi um êxito. No entanto, nenhum dos objectivos que constam do plano de acção é vinculativo. Se olharmos para os resultados da conservação da natureza pré-Nagoya compreendemos que as expectativas para a Rio +20 sejam baixas. Recorde-se que o Ano Internacional da Biodiversidade (2010) começou mal. “As notícias não são boas. Continuamos a perder biodiversidade a um ritmo nunca visto antes na História. As taxas de extinção podem estar até mil vezes acima da taxa histórica”, informou Ahmed Djoglaf, secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD). A declaração de Djoglaf consta do relatório “Perspectiva Mundial sobre a Biodiversidade”, apresentado em Maio de 2010. Este documento avaliou o compromisso de reduzir significativamente as perdas de biodiversidade até 2010, assumido em 2002 pelos 193 estados-membros das UN na sexta Conferência das Partes. “As consequências deste falhanço colectivo, se ele não for rapidamente corrigido, serão severas para todos nós”, avisou Ban Ki-Moon, secretário-geral da UN.
Nada disto é novidade, como foi amplamente noticiado na COP de 1992. O problema é que “muitas economias permanecem cegas quanto ao enorme valor da diversidade de animais, plantas e outras formas de vida e o seu papel na manutenção da saúde e do funcionamento dos ecossistemas”, lamentou Achim Steiner, director-executivo do Programa Ambiental das Nações Unidas. Solução? “É preciso acabar com a invisibilidade do valor económico da natureza”, reiterou o economista Pavan Sukhdev, no seminário “Biodiversidade – um valor com futuro”, organizado pelo grupo Portucel Soporcel, em Lisboa.
Em 2008 Sukhdev recebeu licença sabática do Deutsche Bank para liderar um estudo sobre Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade, encomendado pelos países pertencentes ao G8+5. O resultado foi o projecto TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity), composto por seis relatórios destinados a decisores políticos, empresas e cidadãos, e divulgados de forma faseada entre 2008 e 2010.
O TEEB apela aos Estados para que cumpram a sua obrigação de proteger a biodiversidade enquanto bem comum, e aos cidadãos para que, através das suas escolhas, pressionem governantes e empresas a agirem de forma sustentável. O relatório considera ainda que, regra geral, as empresas agem unicamente em função do lucro, sem se aperceberem de que a sua actividade depende e tem impactos directos e indirectos na biodiversidade, e que as alterações ocorridas nos ecossistemas representam risco, mas também oportunidades para os negócios. Em 2009 um inquérito realizado para o TEEB pela consultora PricewaterhouseCoopers revelou que menos de um em cada cinco directores de empresas considera que a biodiversidade é um factor importante do seu negócio, e que apenas duas das 100 maiores empresas a gerem como risco estratégico. Num artigo publicado no site da BBC, em Outubro de 2010, o jornalista de economia Richard Anderson avisou que as empresas “não só terão de pagar para substituir e proteger os serviços que até aqui a natureza prestava de graça, como também terão custos provenientes de instrumentos legais, como impostos sobre poluição, e do aumento dos prémios de seguros”.
O último dos seis relatórios TEEB, que é uma síntese da iniciativa, foi apresentado no início da COP em Nagoya. A metodologia proposta pelo TEEB inclui três etapas: reconhecer, demonstrar e capturar o valor da biodiversidade. Em Lisboa, Pavan Sukhdev explicou que o reconhecimento do valor faz-se através dos planos regionais e da legislação e que a demonstração do valor passa pela certificação de produtos ecológicos e pela avaliação das áreas protegidas. Neste último caso o TEEB dá um exemplo ocorrido no Uganda, em 1999, quando uma empresa quis drenar o pântano Nakivubo, que liga a capital, Kampala, ao Lago Vitória, e construir um empreendimento imobiliário. As autoridades avaliaram os serviços prestados (purificação das águas residuais provenientes da cidade e fixação de nutrientes) por esta zona húmida entre 0,8 milhões e 1,3 milhões de euros por ano. A drenagem do pântano implicaria um investimento de 1,5 milhões de euros anuais num sistema de tratamento de esgotos. Feitas as contas, o pântano Nakivubo ficou inalterado e foi incluído na Cintura Ecológica da capital.
Para capturar o valor da biodiversidade Pavan Sukhdev considerou dois mecanismos fundamentais – o mercado e pagamento por serviços dos ecossistemas (PES – payment for ecosystem services). Em Lisboa, Sukhedv deu um exemplo de união entre um PES e a certificação, que ocorreu na cidade japonesa de Toyooka, entre 2003 e 2007. As autoridades estavam preocupadas com a degradação da paisagem típica conhecida por “satoyama” (terrenos aráveis junto a sopés de montanhas), que serve de habitat à cegonha-branca. Para inverter a situação decidiram pagar aos agricultores 40.000 ienes (362 euros) por cada 1.000 m2 de área cultivada sem pesticidas e de maneira tradicional. Alguns produtos locais, como o “arroz cegonha-branca”, foram certificados. Resultado? Por ser cultivado sem pesticidas, o arroz alcançou um valor de mercado 23% superior ao que tinha; a cegonha-branca, que ali não se reproduzia desde 1971 e ocupava uma área de apenas 0,7 hectares em 2003, regista agora mais de 40 casais reprodutores e ocupa uma área de 212,3 hectares; o turismo na região aumentou e o rendimento do município subiu 1,4%. Actualmente o aumento dos rendimentos dos agricultores permitiu reduzir o pagamento por parte do município para 63,42 euros por cada 1.000 m2 de área cultivada.
O TEEB apresentou mais de 70 casos de sucesso na valorização e protecção da biodiversidade ao nível do poder local, mas o estado do planeta requer uma estratégia global, e vinculativa, algo que dificilmente resultará da Rio +20.