De Cacilhas ao Fundeadouro da Arealva
O post anterior mostrou alguma da arte urbana que se encontra entre Cacilhas e o Fundeadouro da Arealva, mas, como referi, há muito mais para ver ao longo deste percurso.
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O post anterior mostrou alguma da arte urbana que se encontra entre Cacilhas e o Fundeadouro da Arealva, mas, como referi, há muito mais para ver ao longo deste percurso.
Estava a remexer no baú digital de fotografias e encontrei estas de Lisboa tiradas em dois ou três dias diferentes antes da quarentena. Juntas, evocam várias características que tornam esta cidade tão única. A mais evidente é a cor de Lisboa.
Tal como a Lisboa das colinas é porosa, com as ruas a desaguarem umas nas outras através de arcos e escadarias, nesta sequência de imagens também a cor corre de uma fotografia para outra, acabando por se transformar ou dissolver. As duas cores talvez mais abundantes lembram a ligação natural à terra: o amarelo-ocre e o vermelho-almagre das argilas. Mas é o diálogo do rio com o sol que banha a cidade com a sua luz única. Luz e sombras, esculpidas pelo relevo das colinas. Ia terminar a série com a penúltima imagem, a do banco com as duas almofadas, mas o vazio lembra demais a quarentena. Assim, resolvi acrescentar uma vista ao longe, onde o mosaico de cores ― simboliza também a mescla cultural que compõe a cidade ― se torna evidente. Em breve, lá estaremos.
Esta peça de 2016 é da autoria do artista chileno INTI e encontra-se junto à Rotunda das Olaias, na Rua Veríssimo Sarmento, em Lisboa. Intitula-se «La Madre Secular».
A Rua Nova do Desterro, mesmo junto à Av. Almirante Reis, em Lisboa, tem duas peças de arte urbana lado a lado. A maior, intitulada «Inês», data de 2018 e é da autoria do artista norueguês Ener Konings. A mais pequena tem o traço característico do artista brasileiro Utopia.
Seguem-se mais algumas fotos da última visita que fiz à Estufa Fria de Lisboa.
Hoje é Dia Mundial da Árvore. (Também é Dia Mundial da Poesia, e Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial e Dia Internacional da Síndrome de Down.)
Há cerca de uma semana, um homem animava o Terreiro do Paço, em Lisboa, com as suas bolhas de sabão. Estas efémeras bolas voadoras são igualmente fascinantes para crianças e adultos. A diferença é que os segundos, geralmente, não desatam a correr atrás delas.
Dois vultos enormes da cultura mundial também sucumbiram ao encanto das bolhas de sabão. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche e Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa. Caeiro é o poeta da natureza e das sensações. É simples, objectivo e ingénuo.
E eu, que estou bem com a vida, creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens. Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arranca lágrimas e canções.
Friedrich Nietzsche (1883‒1885), em Assim Falou Zaratustra
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as coisas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer coisa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.
Alberto Caeiro (1914), em O Guardador de Rebanhos — Poema XXV
As camélias em flor consolam a vista durante os meses cinzentos de Inverno. Na Estufa Fria algumas já começaram a secar, mas ainda vai a tempo de desfrutar das várias variedades da espécie Camellia japonica que ali existem . As cores mais comuns das flores são o branco, o rosa e o vermelho, por vezes com manchas riscas ou pintas. As flores das camélias, regra geral, não têm cheiro (há algumas poucas variedades criadas pelo homem que têm cheiro).
Atualmente existem no mundo mais de 3000 variedades de C. japonica das quais 400 são portuguesas. Na Estufa Fria encontrei as variedades Alba Plena, Augusto Leal Gouveia Pinto, Lavinia Maggi, Magnolaeflora, Mathotiana, e Mathotiana Rubra.
A C. japonica é uma cameleira nativa da China, Japão, Taiwan e Coreia do Sul. Por cá também é conhecida por japoneira e roseira-do-japão (no Japão chama-se «tsubaki», que também é o nome do óleo que dela se extrai e que é usado em massagens e como amaciador).
A história deste arbusto ou árvore de pequena dimensão ― pode chegar aos 11 metros de altura, mas geralmente mede entre 1,5 e 6 metros ― tem um capítulo muito importante em Portugal, pois o nosso país, foi o primeiro na Europa a receber esta espécie. A plantação de camélias teve início em 1550 no Porto e em Gaia. A Quinta de Campo Belo, em Gaia, é conhecida por ter as cameleiras mais antigas da Europa. Já o Porto ostenta a distinção de ser conhecida como a «cidade das camélias».
O epíteto surgiu em 1890 quando o escritor francês Georges de Saint-Victor escreveu em Portugal: Souvenirs et Impressions de Voyage: «O Porto é a pátria das camélias. Até nos cemitérios as há.» Anos mais tarde, em 1925, o escritor Alberto Pimentel afinou pelo mesmo diapasão ao referir: «Camélias ou rosas do Japão, o que é certo é que elas fizeram do Porto a sua pátria adoptiva.»
Outros escritores também não ficaram imunes aos encantos das camélias. Pedro Homem de Mello, no brevíssimo poema Camélias, avança a explicação para a falta de odor destas flores:
O perfume delas
É, talvez, a cor…
Sophia de Mello Breyner Andresen também alude à falta de aroma e esclarece que:
As camélias são muito diferentes dos gladíolos: são vagas, sonhadoras, distantes e pouco mundanas. Estão sempre escondidas entre as suas folhas duras e polidas. Mas os gladíolos admiravam as camélias por elas não terem perfume, pois, entre as flores, não ter perfume é uma grande originalidade.
No entanto, a obra que mais fama trouxe a estas flores é sem dúvida o romance semi-autobiográfico de Alexandre Dumas (o filho), de 1848, intitulado A Dama das Camélias. A musa do romance foi a cortesã francesa Marie Duplessis, por quem Dumas se apaixonou. Dumas descreve-a como sendo «alta e muito esbelta, de cabelo negro e rosto rosa e pálido. Tinha a cabeça pequena, olhos rasgados com o aspeto da porcelana de uma japonesa, mas vivos e finos, os lábios com o vermelho das cerejas e os mais belos dentes do mundo».
Marie Duplessis por Édouard Viénot, Wikimedia Commons, Public Domain
Duplessis gostava de alegrar a sua casa com flores, mas ficava mal disposta com o perfume das rosas, pelo que recorria às camélias. O romance conta como a personagem Marguerite Gautier (inspirada em Duplessis) usava uma camélia vermelha durante a menstruação, para que os clientes soubessem que estava indisponível, e uma camélia branca no resto do tempo.
Para terminar, o poema Le Camélia de Honoré de Balzac, que fala das camélias, da sua cor, do Inverno, da falta de aroma…
Chaque fleur dit un mot du livre de nature:
La rose est à l'amour et fête la beauté,
La violette exhale une âme aimable et pure,
Et le lis resplendit de sa simplicité.
Mais le camélia, monstre de la culture,
Rose sans ambroisie et lis sans majesté,
Semble s'épanouir, aux saisons de froidure,
Pour les ennuis coquets de la virginité.
Cependant, au rebord des loges de théâtre,
J'aime à voir, évasant leurs pétales d'albâtre,
Couronne de pudeur, de blancs camélias
Parmi les cheveux noirs des belles jeunes femmes
Qui savent inspirer un amour pur aux âmes,
Comme les marbres grecs du sculpteur Phidias.
Versão em inglês:
In Nature's poem flowers have each their word
The rose of love and beauty sings alone;
The violet's soul exhales in tenderest tone;
The lily's one pure simple note heard.
The cold Camellia only, stiff and white,
Rose without perfume, lily without grace,
When chilling winter shows his icy face,
Blooms for a world that vainly seeks delight.
Yet, in a theatre, or ball-room light,
I gladly see Camellias shining bright
Above some stately woman's raven hair,
Whose noble form fulfills the heart's desire,
Like Grecian marbles warmed by Phidian fire.
Variedades de Camellia japonica na Estufa Fria:
Alba Plena
Augusto Leal Gouveia Pinto
Lavinia Maggi
Magnolaeflora
Mathotiana
Mathotiana Rubra
O escultor Leopoldo de Almeida (1898‒1975) tem várias obras bastante conhecidas em Lisboa, entre as quais se destacam as enormes figuras que adornam os lados do Padrão dos Descobrimentos, a estátua equestre de D. João I, na Praça da Figueira, e o monumento a Calouste Gulbenkian. A sua "Menina Calçando a Meia", obra de 1966 que é peça central da Estufa Fria de Lisboa, é igualmente merecedora de admiração. Dizem que a Menina é feita de mármore, mas é difícil acreditar que aquelas mãos que puxam a meia não sejam de carne e osso.
Em Lisboa há algumas casas com mais de 265 anos. Quando olhamos para elas viajamos no tempo e temos um pequeno vislumbre de como seria a vida na primeira metade do século XVIII. Para chegarem até aos dias de hoje, estas casas não tiveram apenas de resistir ao teste do tempo: elas tiveram de sobreviver a um dos maiores sismos de que há memória, ao tsunami que varreu a zona ribeirinha alguns minutos depois, e aos incêndios que consumiram a cidade durante os seis dias seguintes. O Terramoto de 1755 ocorreu no dia 1 de Novembro, às 9h40, altura em que as igrejas estavam apinhadas para a comemoração do Dia de Todos os Santos.
Beco de São Miguel
No livro Os Grandes Desastres, de Lucy Jones (2019, Vogais) encontramos a descrição desse dia feita pelo reverendo inglês Charles Davy, que na altura vivia em Lisboa:
Fiquei […] aturdido por um estrondo horrível, como se todos
os edifícios da cidade tivessem ruído ao mesmo tempo. A casa
em que estava abanou com tal violência que os andares superiores
caíram imediatamente; e embora o meu apartamento
(que era no primeiro andar) não tivesse então tido o mesmo
destino, tudo foi no entanto afastado do seu lugar de tal modo
que foi com grande dificuldade que me mantive em pé, e esperei
ser rapidamente esmagado até à morte, pois as paredes
continuaram a abanar do mais horrendo modo, rachando-se
em vários sítios; grandes pedras caiam das rachas por todo
o lado, e as pontas de muitas das vigas saltavam do telhado.
Rua dos Cegos, n.º 20, 22, por trás da homenagem de Vhils, e dos calceteiros, a Amália Rodrigues.
Perante este cenário, muitos fugiram para perto do rio. Davy escreveu:
Virando os meus olhos em direcção ao rio, que naquele
local tem quase seis quilómetros de largura, conseguia vê-lo
agitando-se e ondulando-se de um modo quase inexplicável,
pois não havia vento que se mexesse. Num instante ali
apareceu, a pequena distância, uma grande massa de agua,
erguendo-se como se fosse uma montanha. Veio a espumar
e a rugir, e correu em direcção à margem com tal ímpeto, que
todos corremos imediatamente o mais depressa possível pelas
nossas vidas; muitos foram na verdade levados, e os restantes
ficaram com água acima do peito a boa distância da margem.
Beco da Achada. Edifício do século XIV ou XV
O fogo, que teve origem nas lareiras de cozinha e nas inúmeras velas acesas em homenagem aos mortos, consumiu o que restou da capital. Em 1755, Lisboa era a 4.ª maior cidade da Europa, atrás de Londres, Paris e Viena. Nela viviam cerca de 300 mil pessoas das quais, segundo algumas estimativas, 90 mil morreram em consequência do Terramoto de 1755 (outras estimativas apontam para um número mais reduzido, mas ainda assim impressionante, de mortos: 40‒50 mil).
Largo do Menino Deus. Século XVI
No Poema sobre o Desastre de Lisboa, o filósofo francês Voltaire escreveu em 1756:
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas,
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam!
Largo do Chafariz de Dentro
O sismo, o tsunami e os incêndios que se seguiram destruíram 85 por cento dos edifícios de Lisboa. O sul do país, sobretudo o Algarve, os Açores e a Madeira também foram afectados. O tsunami, provocado pelo sismo de magnitude 8,5 a 9 (João Fonseca, do IST, estimou este ano que o sismo terá sido de apenas 7,5 ±0,5) — que resultou de a placa africana chocar contra a placa euroasiática ―, causou inúmeras mortes em Marrocos e foi ainda sentido do norte da Europa, nomeadamente na Finlândia, até às ilhas Antígua, Martinica e Barbados.
Rua dos Bacalhoeiros. Edifício amarelo junto à Casa dos Bicos. Na altura tinha apenas quatro andares.
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