Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Arca de Darwin

"Look deep into nature, and then you will understand everything better", Albert Einstein

"Look deep into nature, and then you will understand everything better", Albert Einstein

Arca de Darwin

24
Nov20

O cogumelo que matou o imperador Cláudio

Arca de Darwin

Os cogumelos das duas fotos em baixo pertencem ao mesmo género, Amanita, mas a duas espécies que não podiam ter propriedades "culinárias" mais diferentes. A primeira espécie, Amanita caesarea, conhecida por amanita-dos-césares, cogumelo-dos-césares, amanita-real ou laranjinha, é um verdadeiro petisco que até pode ser comido cru (comi um — colhido por um especialista, pois eu não me atrevo a tentar distinguir as espécies comestíveis das que o não são — com um pouco de sal, azeite e tomilho) e que além-fronteiras chega a custar entre algumas dezenas e algumas centenas de euros por quilo. A segunda, Amanita phalloides, conhecida por cicuta-verde ou chapéu-da-morte, é o cogumelo mais tóxico existente em Portugal: a dose letal é de cerca de 0,1 mg/kg de peso corporal.

amanita caesarea 1.jpg

amanita phalloides 1.jpg

Os sintomas começam 6 a 24 horas após a ingestão e incluem náuseas, vómitos, diarreia, febre, taquicardia, hipoglicemia, hipotensão. Estes sintomas diminuem passadas 24 horas, mas regressam ao fim de 72 horas. A fase mais aguda ocorre 4 a 5 dias após a ingestão, altura em que poderá ser necessário um transplante de fígado. Sem ele, a morte poderá ocorrer 7 a 10 dias após a ingestão. Nas últimas décadas, com os avanços médicos, a taxa de mortalidade baixou para entre 25 e 50 por cento.

amanita phalloides 2.jpg

A amanita-dos-césares tem um chapéu convexo a plano, cor de laranja e tem pé e lamelas amarelos. A cicuta-verde também tem chapéu convexo a plano, mas verde-acinzentado, e tem lamelas brancas. Ambas são originárias da Europa (embora a A. caesarea esteja mais restrita à Europa do Sul e exista no Norte de África). Ambas desenvolvem-se a partir de uma volva branca. E ambas foram figura central de um dos episódios mais famosos (e com consequências mais dramáticas) da Roma Antiga.

amanita caesarea 2.jpg

Tibério Cláudio César Augusto Germânico — interpretado por Derek Jacobi na série televisiva de 1976 Eu, Cláudio, adaptada do romance de Robert Graves com o mesmo nome — nasceu em 10 a.C., na Gália. Ele foi o terceiro filho de Nero Cláudio Drusus (não o Nero pirómano que cantava enquanto Roma ardia, mas o irmão do imperador Tibério) e de Antónia Minor (filha de Marco António e Octávia) e estava longe de personificar o ideal de beleza romana — tinha o rosto desfigurado, babava-se, o nariz escorria, era um pouco surdo, gago e coxo (de maneira terrivelmente premonitória o nome Cláudio deriva do verbo claudicar, que significa coxear). A mãe achava-o um monstro, a família troçava dele, desconsiderava-o e mantinha-o afastado da esfera pública. Mas mantinha-o, o que, só por si e naquele ambiente, era já uma enorme sorte.

Na adolescência, Cláudio foi revelando interesse e jeito pela História. Os sintomas suavizaram-se e a família percebeu que ele não era totalmente idiota, e em 7 d.C. contratou o historiador Lívio para seu tutor.

claudius.jpg

Busto do imperador Cláudio. © Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons

Cláudio destacou-se enquanto historiador, mas a sua visão dos factos nem sempre agradava à sua família. Ainda assim, e sob o manto protector da sua inferioridade física, ele foi escapando às purgas políticas, primeiro de Tibério de depois de Calígula. E pelo meio foi coleccionando esposas.

Calígula, sobrinho de Cláudio, foi assassinado em Janeiro de 41, em consequência de uma conspiração entre a Guarda Pretoriana e alguns senadores. Seguiu-se o caos e mais alguns assassínios, e avançou-se a hipótese de restaurar a República — o que retiraria poder à Guarda Pretoriana. Cláudio, o último homem adulto da sua família, fugiu para o Palácio. A Guarda Pretoriana encontrou-o escondido atrás de um cortinado e… nomeou-o imperador (e assim começa a tradição de "os quebrados" vencerem a guerra pelo trono).

proclaiming_claudius_emperor.JPG

Proclamação de Cláudio como Imperador (1867), pintura de Lawrence Alma-Tadema.

Cláudio deixou obra feita. Pôs as contas em dia, expandiu o império (a conquista da Bretanha, algo que nem Júlio César conseguira, foi um marco importante e ele esteve presente na etapa final), permitiu que não italianos fizessem parte do Senado e tornou ilegal matar escravos sem justificação. Durante o seu governo — talvez por continuar a ser visto como fraco — teve de eliminar mais de 400 conspiradores que o queriam derrubar. Entre eles contavam-se Messalina — a sua terceira mulher e mãe do seu filho Britânico e da sua filha Cláudia Octávia — e o seu último amante. "Último" porque a infidelidade de Messalina era lendária. Plínio, o Velho, no Livro X da sua História Natural, relata uma competição entre Messalina e uma prostituta para ver qual se deitava com mais homens num período de 24 horas. Messalina venceu com um total de 25.

amanita caesarea 3.jpg

A quarta esposa de Cláudio, Agripina, era sua sobrinha e tinha um filho, Nero (sim, esse Nero), de um casamento anterior. O sonho de Agripina era que o seu filho se tornasse imperador, e esse sonho ficou mais perto de se realizar quando conseguiu que Cláudio adoptasse o futuro incendiário, que era mais velho do que Britânico e que entretanto casou com… Cláudia Octávia! Só faltava remover Cláudio da equação.

amanita caesarea 5.jpg

Cláudio, tal como outros imperadores, era grande fã do cogumelo Amanita caesarea — diz-se que quando encontrava um ainda dentro da volva, deixava um membro da Guarda Pretoriana junto dele a guardá-lo até que estivesse pronto a comer. Na verdade, ele era grande fã de comer. Como escreve Suetónio em As Vidas dos Doze Césares: “Em qualquer altura ou lugar, estava sempre pronto para comer e beber (…). Abandonava quase sempre as refeições inchado de comida e bebida e depois deitava-se de costas, de boca aberta, enquanto lhe colocavam uma pena na garganta para lhe aliviar o estômago”.

amanita caesarea volva.jpg

Reza a história que Agripina terá pedido cogumelos venenosos — os A. phalloides que, quando cozinhados, têm cor suficiente para passar por A. caesarea — à famosa envenenadora Locusta, e que terá convencido o eunuco provador de Cássio, Halotus, a colocá-los no prato ao lado dos A. caesarea. Cláudio ingeriu os cogumelos no dia 12 de Outubro de 54. No dia seguinte surgiram os sintomas: dor de barriga extrema, vómitos, salivar excessivo, dificuldade em respirar, hipotensão e diarreia. Cláudio terá então chamado o seu médico, Xenofonte, que também estava em conluio com Agripina. Para acabar o "serviço", e segundo o historiador Tácito, Xenofonte terá administrado mais um veneno a Cláudio, embebido numa pena que usou para o fazer regurgitar (outros relatos apontam para um veneno amargo que, para não levantar suspeitas, terá sido administrado através de um enema). Cláudio morreu nesse mesmo dia: 13 de Outubro de 54. Tinha 64 anos.

amanita phalloides 3.jpg

No ano seguinte, Britânico iria completar 14 anos a 13 de Fevereiro, atingindo a maioridade. Na véspera, por via das dúvidas, Nero envenenou-o. Em 59, Nero enviou um oficial para matar Agripina, a sua mãe. Diz-se que ela terá pedido ao oficial para lhe trespassar o útero com a espada, pois fora dali que Nero nascera. E Cláudia Octávia? Sim, Nero também a mandou matar.

Para terminar, saiba que um artigo publicado em 2002 no Journal of the Royal Society of Medicine, sugere uma outra interpretação para o relato de Tácito: a pena foi usada porque Cláudio não estava a vomitar. Os sintomas do imperador eram, ao invés, condizentes com doença cerebrovascular, e terá sido essa a causa da morte.

amanita caesarea 4.jpg

 

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.