Qual será o futuro dos zoos?
Há uns dias, enquanto passeava pelo Jardim Zoológico de Lisboa e observava animais de diferentes espécies a poucos metros de mim, lembrei-me de ter ouvido alguém dizer umas semanas antes (talvez num documentário na televisão) que nos zoos (não se incluem aqui os santuários e os parques zoológicos que, em geral, são visitados dentro de um carro) do futuro apenas veríamos os animais através de binóculos, o que é uma previsão algo disruptiva tendo em conta a realidade em que vivemos. No entanto, há quem vá mais longe e peça mesmo o encerramento de todos os zoos. Porquê? Vamos por partes.
Os “bons” zoos atuais, nomeadamente os reconhecidos por organizações como a WAZA (Associação Mundial de Zoos e Aquários), desempenham um papel importante na conservação de espécies ameaçadas e como centros de investigação, de educação e de entretenimento, e, ao contrário dos zoos “maus”, asseguram um bom cuidado veterinário e uma boa alimentação aos seus animais.
Há treze anos escrevi aqui na Arca sobre o “novo” papel do Jardim Zoológico de Lisboa, salientando que a partir de meados dos anos 90 do século passado “o Zoo não só iniciou um trabalho de melhoria das instalações e condições de vida dos animais, mas também aderiu ao Programa Europeu de Espécies Ameaçadas (EEP)”, o que fez com que todos os indivíduos de espécies ameaçadas que viviam na instituição estivessem de alguma forma incluídos num projeto de conservação. Além da reprodução em cativeiro para manter uma população sob cuidados humanos ou para reintrodução, a missão de conservação dos zoos também inclui vertentes como a transferência de conhecimentos (obtidos, por exemplo, através da experiência dos seus tratadores e veterinários ou da investigação) ou o financiamento de projetos de conservação no terreno — segundo dados da WAZA de 2022, os zoos e aquários são o terceiro maior financiador mundial de projetos de conservação de espécies e habitats.
Quanto à educação, mais de 700 milhões de pessoas visitam anualmente os zoos e aquários associados da WAZA, o que representa uma imensa oportunidade para a educação e a sensibilização ambiental.
Então, onde está o problema?
Há vários problemas que resultam dos direitos dos animais e da noção de bem-estar animal. (Note-se que foi para garantir o bem-estar dos animais selvagens que estes estão proibidos nos circos em Portugal desde 2019.)
Num artigo de 2017 da revista Time intitulado “The Future of Zoos: Challenges Force Zoos to Change in Big Ways” (O futuro dos zoos: desafios forçam os zoos a mudar significativamente), o jornalista Justin Worland refere que “sucessivos estudos demonstraram que muitas espécies de animais são muito mais inteligentes e sentem muito mais do que anteriormente se pensava, proporcionando novas perspetivas sobre como poderão sofrer de ansiedade e depressão quando são removidas das natureza” e questiona: “Se reconhecemos que as criaturas sofrem quando são confinadas, deverão elas ser mantidas em cativeiro?”.
Num artigo publicado na revista Frontiers in Psychology, os investigadores Paul Rose e Lisa Riley afirmam que o bem-estar dos animais deveria tornar-se o quinto objetivo dos zoos modernos, e que o entretenimento deveria de ser substituído pelo envolvimento dos visitantes nos objetivos do zoo. No mesmo sentido, o filósofo neerlandês Jozef Keulartz argumenta, num artigo de 2023, que devemos adotar uma visão “bifocal” em que “os animais dos zoos são vistos simultaneamente como indivíduos que necessitam de um cuidado específico e como membros de uma espécie que necessita de proteção. A partir de uma visão bifocal como esta, a política do zoo deveria de ter como objetivo encontrar um equilíbrio justo e moralmente aceitável entre os seus esforços para garantir o bem-estar dos animais individuais e a sua obrigação de contribuir para a conservação da espécie”.
Este tipo de visão obriga a repensar, por exemplo, o cativeiro de espécies provenientes de climas muito diferentes, ou de aves em espaços onde elas não podem voar, ou de espécies que necessitam de um espaço com uma dimensão muita superior àquela que um zoo urbano pode providenciar. Por exemplo, em 2015, o Woodland Park Zoo de Seattle decidiu transferir os seus elefantes por o seu recinto não ser suficientemente grande. O já referido artigo de Worland refere que outros zoos norte-americanos também já desistiram de ter elefantes. Em relação às aves, é claro que há zoos onde elas dispõem de espaço suficiente para voar. O zoo de Perth, na Austrália Ocidental, quando o visitei há cerca de dez anos, tinha duas instalações completamente vedadas, com aves de várias espécies e espaço suficiente para o voo.
Ainda em relação ao espaço, para aumentar a área disponível para certas espécies, os zoos deverão não só albergar espécies mais pequenas, mas também diminuir o número de espécies. Por exemplo, Keulartz refere no seu artigo que o ARTIS Zoo, de Amesterdão, de 1967 para cá reduziu o número de espécies de 1800 para cerca de 500.
Abdicar de espécies de grande porte como elefantes, leões e tigres não significa menos visitantes (e, consequentemente, menos receitas para os zoos) ou um trabalho de conservação, educação e investigação menos relevante.
Num artigo publicado em 2018 no Journal of Applied Animal Welfare Science com o título “What Is the Future for Zoos and Aquariums?” (Qual o futuro para os zoos e aquários?), os autores chamam a atenção para a situação delicada dos anfíbios na natureza e para o importante papel que o National Amphibian Conservation Center, inaugurado em 2000 no Zoo de Detroit e o único centro da sua dimensão em todo o mundo, desempenha nos cuidados prestados a estes animais, na sua reprodução em cativeiro com objetivos conservacionistas e na sua apresentação ao público. Os autores referem ainda outros casos de sucesso com outro grupo de animais, os insetos, como o World of the Insect do Zoo de Cincinnati e o Insectarium do Audubon Nature Institute. Borboletários ou jardins criados especificamente para atrair borboletas são também uma boa opção. Na verdade, há imensas alternativas à disposição dos zoos para cumprirem a sua missão de conservação, investigação, envolvimento ou educação. No seu artigo, Worland conta que, quando visitou o Zoo360 em Filadélfia, deparou-se com um grupo de crianças reunidas em torno de um tratador que realizava alguns testes com uma ratazana para demonstrar a inteligência do roedor. As novas tecnologias, como a realidade virtual e a realidade aumentada, são também ferramentas a ter conta. Por exemplo, em 2023, a organização belga Global Action in the Interest of Animals (GAIA) lançou o seu Zoo Virtual, uma campanha itinerante de verão que levou óculos 3D a várias localidades entre 19 de julho e 11 de agosto e que foi inaugurada pelo príncipe Laurent e pelo ministro do Bem-Estar Animal. Com estes óculos, os “visitantes” belgas observavam os animais nos seus habitats naturais. Estes óculos foram também usados no ARTIS Zoo, em 2014. Keulartz conta que Micropia é o primeiro museu de micro-organismos, que usa óculos 3D, para mostrar aos visitantes “como os micróbios se movem, se alimentam e se reproduzem, e exposições interativas, como um scâner corporal que mostra o tipo de micróbios que vivem no corpo e um beijómetro que conta o número de micróbios transmitidos durante um beijo”.
Um caso mais extremo é o de um zoo em Buenos Aires com mais de 140 anos pertencente ao governo argentino que, em 2016, decidiu fechar portas e devolver à natureza ou encaminhar para santuários os seus cerca de 2500 animais. No seu lugar surgiu o Buenos Aires Eco-park, um espaço interativo que usa a tecnologia para sensibilizar para a importância dos habitats naturais na Argentina e no resto do mundo.
Tendo em conta a falta de espaço e o enfoque na conservação e no bem-estar, poder-se-á argumentar que não faz sentido os zoos terem espécies que não estejam ameaçadas. Por exemplo, num artigo publicado em 2020 no The Guardian o jornalista Robin McKie refere que Sam Threadgill da organização Freedom for Animals, que luta há décadas pelo encerramento de zoos, defende que os zoos não devem ter espécies que não estejam ameaçadas. Segundo um estudo realizado na altura pela sua organização, apenas uma pequena percentagem dos animais dos zoos ingleses e galeses estão ameaçados, e apenas 15 por cento estão em perigo. (Um estudo da mesma organização de 2016, mas apenas para o País de Gales, revelava que só 17 % das espécies estavam ameaçadas e só 9 % estavam em perigo.)
Outro problema que os zoos têm de resolver tão cedo quanto possível é o abate de animais saudáveis. Este também acontece com espécies em projetos de conservação, quando um determinado indivíduo não apresenta as características genéticas desejadas, mas é mais habitual nas espécies não ameaçadas, que são reproduzidas pela capacidade que as crias têm de atrair visitantes, mas, quando estas crescem, a falta de espécie e o custo de as sustentar leva a que sejam vendidas ou abatidas. Um documentário da BBC de 2016 referia que, todos os anos, entre 3000 e 5000 animais eram abatidos em zoos europeus. Keulartz afirma que a questão do abate de animais é uma das mais sensíveis em termos de relações públicas que os zoos enfrentam, e que estes métodos podem minar seriamente a credibilidade destas instituições.
Por último, e ainda em relação ao bem-estar, um artigo publicado já no distante ano de 2007 na revista Applied Animal Behaviour Science defendia uma política de “tolerância zero” para com comportamentos repetitivos anormais nos animais em cativeiro. “Quando os visitantes assistem a comportamentos anormais repetitivos, as mensagens-chave do zoo como local de educação, ciência e conservação podem ser diluídas”, avisam os autores do artigo. No Zoo de Lisboa, estes comportamentos são bem visíveis em animais como a chita, o panda-vermelho ou a pantera-nebulosa. Note-se que uma das razões por que gostamos de visitar zoos é o impacto positivo do contacto com os animais no nosso próprio bem-estar, verificando-se uma redução do stresse e da pressão arterial. Se a visita for uma má experiência, também estes efeitos serão “diluídos”.
Para concluir, no primeiro post aqui na Arca referi que um dos objetivos deste blogue é dar a conhecer o património natural português. Muitas crianças, e até muitos adultos, sabem o que é um tigre, um panda e um suricata, mas não sabem o que é um toirão, uma águia-de-bonelli e uma toupeira-d’água. Seria bom ter espaços de grande visibilidade nas cidades dedicados à divulgação e conservação das nossas espécies ameaçadas.
Nota: Tirei uma grande quantidade de fotografias no Zoo. Para não sobrecarregar este post, criei um álbum na página da Arca no Facebook que permite ver as fotos uma a uma ou todas ao mesmo tempo em tamanho pequeno, selecionando-se depois apenas as que se querem ver.