Azul, branco e verde
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Ao longo dos últimos 40 anos o periquito-de-colar (Psittacula krameri) tornou-se uma espécie comum nos parques e jardins de Lisboa e os alfacinhas já se habituaram à presença desta barulhenta espécie exótica de plumagem verde e bico vermelho.
Aqui na Arca também já falámos do periquitão-de-cabeça-azul (Aratinga acuticaudata), outra espécie exótica que também vive em liberdade em Lisboa, e que também o corpo verde, mas é ligeiramente mais pequeno e tem a cabeça azul. Anteontem, quando estava perto da janela da sala, fui surpreendido pelo chamamento estridente típico do periquito-de-colar.
Eles costumam passar por aqui a voar, mas o mais perto que os vi pousar foi a algumas dezenas de metro, num eucalipto. Desta vez, o som indicava que o animal estava muito próximo. De facto, estava mesmo ao lado na janela do vizinho, pousado na caixa do estore. Para minha surpresa, o bicho era igual a um periquito-de-colar, mas era azul.
Pelo que entretanto li, há várias mutações que ocorrem no Psittacula krameri (veja-as aqui) e que produzem uma gama muito variada de cores, surgindo indivíduos azuis, mas também completamente amarelos e até albinos. (Este indivíduo tem uma anilha e talvez tenha fugido de uma gaiola.)
A azulinha-dos-calcários (Cupido lorquinii) é uma borboleta mínima da família Lycanidae: a envergadura varia entre 2,2 e 2,8 centímetros, ou seja, pouco maior que a unha do polegar.
A parte inferior das asas é cinzenta-clara, com pontos e traços pretos. A parte superior das asas dos machos é azul-violeta e debruada a preto. A das fêmeas é acastanhada.
Gosta de encostas rochosas perto de prados e matos.
Existe no Norte de África e na Península Ibérica. (Estas fotos foram tiradas na Ebio de Fontelas, em Loures.)
Voa de Março a Junho.
Na linguagem, primeiro surgem as palavras para designar o preto e o branco, depois o vermelho e finalmente o amarelo e o verde. A palavra "azul" vem depois. E até que haja uma distinção entre "azul" e "verde" não surgirão termos para designar o violeta, o castanho, o cor-de-rosa, o cor-de-laranja e o cinzento. Isto aconteceu com as línguas que nos são mais familiares, mas ainda acontece com algumas menos familiares. Por exemplo, em japonês, tailandês e coreano a mesma palavra designa a cor verde e a cor azul. Em vietnamita, a palavra xanh é igualmente usada para descrever a cor das folhas e a cor do céu. Já os russos têm palavras distintas para "azul claro" e "azul escuro", mas não para "azul".
No romance A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, José Eduardo Agualusa descreve o resultado da ausência de "azul" na pintura e na literatura: "Os antigos gregos, como os chineses ou os hebreus, não tinham uma palavra destinada a designar a cor azul. Para todos eles o mar era verde, acastanhado ou cor de vinho. Eventualmente, negro. Na pintura ocidental o mar só começou a ser representado a azul no século XV. Também o céu não era azul. Poetas descreviam-no como rosado, ao amanhecer; incendiado, ao lusco-fusco; leitoso, nas melancólicas manhãs de inverno."
Todo este conhecimento chegou até nós graças à obsessão de William Gladstone (1809-1898), primeiro-ministro britânico, pelo poeta grego Homero (séc. IX a.C. – séc. XVIII a.C.), autor de Íliada e de Odisseia. Em 1858, Gladstone começou por notar as estranhas descrições de Homero na Odisseia: o mar era cor de vinho, o mel era verde, as ovelhas eram violeta!
Gladstone mergulhou no poema e encontrou quase 200 referências ao preto, cerca de 100 ao branco, menos de 15 ao vermelho e ainda menos ao amarelo e ao verde. Azul? Nada. Tal como não aprecia em outros textos da Grécia Antiga.
O filósofo alemão Lazarus Geiger (1829-1870) prosseguiu o trabalho de Gladstone e concluiu que a palavra "azul" também não existia em textos de outras culturas antigas, como nas sagas islandêsas ou contos chineses.
O surgimento tardio na linguagem da palavra para designar a cor azul está relacionado com a escassez de "azul" na Natureza. "Escassez" de pigmentos, claro, porque entre o céu e o mar há uma imensidão de azul.
É importante relembrar a resposta à famosa pergunta: Porque é que o céu é azul? A luz "branca" do Sol é a soma de várias cores. Quando entra na atmosfera, a luz vermelha, que tem o maior comprimento de onda (620 a 750 nanómetros) visível, passa incólume entre os átomos de oxigénio e azoto. Os comprimentos de onda menores – azul (450–495 nm) e violeta (380–450 nm) – chocam com os átomos de oxigénio e de azoto e espalham-se pela atmosfera, originando a cor azul do céu. A este fenómeno chama-se Dispersão de Rayleigh. E porque é que o céu não é violeta? Por causa dos cones que temos nos olhos, que são mais sensíveis ao azul do que ao violeta.
Ora, entre os animais, a cor azul resulta de engenharia, e não de pigmentos, e também é explicada pela Dispersão de Rayleigh, tal como a cor azul dos olhos dos humanos. (Este vídeo explica as diferentes arquitecturas que permitem a cor azul, e refere o único animal capaz de produzir um pigmento azul: a borboleta Nessaea obrinus.) Já as plantas, para obter a rara cor azul, usam um pigmento vermelho e executam umas habilidades que envolvem alterações de pH.
Assim, com tão pouco azul para admirar na Natureza e aparentemente sem fontes de pigmentos, não é de estranhar que a palavra "azul" tarde em aparecer na linguagem. Na verdade, parece que a palavra "azul" só surge quando uma sociedade é capaz de produzir o pigmento equivalente. Daí que a única cultura antiga onde é mencionada a palavra "azul" seja a Egípcia, que em 2500 a.C. produziu o primeiro pigmento sintético da História: o Azul Egípcio, também conhecido por silicato de cobre e cálcio.
O lápis-lazúli, que no século XIV a.C. foi usado para adornar a máscara fúnebre de Tutancámon, há muito que era minerado no Afeganistão. Esta rocha semi-preciosa foi muito utilizada para fazer vários tipos de adornos e, moída, originava um pigmento que serve para produzir tintas. Já agora, a nossa palavra "azul" vem do "lazúli".
Na Europa, as primeiras tintas azuis de origem vegetal foram fabricadas com a planta conhecida por pastel (Isatis tinctoria), cujas flores são amarelas. Na Ásia usaram a Indigofera tinctoria, cujas flores são cor-de-rosa ou violeta, que resultava na cor indigo (anil, 420–440 nm).
Os Romanos tinham várias palavras para diferentes tons de azul. Entre elas, caeruleus e cyaneus, que podemos encontrar nos nomes científicos de algumas das nossas aves, como o chapim-azul (Parus caeruleus), o peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) a pega-azul (Cyanopica cyana) e o tartaranhão-azulado (Cyrcus cyaneus). Outras duas palavras tornaram-se mais comuns: azureus, que originou o nosso conhecido azure; e blavus, que originou o blue e o bleu.
À parte: Associado a este tema há vários textos na Internet onde é sugerido que não conseguiríamos ver a cor azul (ou outra qualquer cor) se não tivéssemos uma palavra para a definir. Estou convencido de que conseguiríamos. Tais textos aludem a uma suposta experiência com a tribo Himba, da Namíbia. Num conjunto de 11 quadrados verdes e um azul, teriam muita dificuldade em identificar o quadrado diferente. Num conjunto com 11 quadrados verdes e um de outro tom de verde (quase imperceptível para nós), seriam lestos a apontar o quadrado diferente. Ao contrário do que é dito, os himbas não têm muitos mais termos para definir tons de verde. Na verdade, têm apenas cinco termos para definir cores, e, sim, parecem usar a mesma palavra para verde, azul e violeta. Não encontro qualquer referência à publicação de um estudo que inclua o teste dos quadrados.
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