O aumento de bactérias resistentes a antibióticos é uma ameaça “apocalíptica” que pode espoletar uma “emergência nacional equivalente a um ataque terrorista, a uma pandemia, ou a grandes inundações”. A situação há muito que é preocupante, mas a contundência das
palavras proferidas este mês por Sally Davies, directora-geral da Saúde do Reino Unido, não deixaram ninguém indiferente. Segundo ela, daqui a 20 anos os doentes que realizarem uma cirurgia de rotina correm sérios riscos de morrer de infecções.
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Staphylococcus aureus, uma das bactérias multirresistentes. Foto: CDC / Don Stalons
No entanto, considera que ainda é possível impedir a catástrofe daqui a duas semanas apresentará a nova estratégia para combater o flagelo: “Temos de trabalhar com todos para nos assegurarmos de que o cenário apocalíptico de resistência antibiótica generalizada não se torna numa realidade".
O que tem isto a ver com a teoria de Darwin e como é que se chegou a este ponto? As bactérias estão em permanente evolução e reagem ao meio que as rodeia. Um das ameaças que enfrentam é a acção dos antibióticos, pelo que ocorre a selecção natural daquelas que resistem a estes medicamentos. Chegámos a este ponto devido ao uso abusivo e incorrecto dos antibióticos. Médicos e doentes partilham parte da responsabilidade pela situação actual: os primeiros, por exemplo, ao receitarem antibióticos para tratar gripes e constipações (que são causadas por vírus, os quais são imunes aos antibióticos); os segundos por interromperem o tratamento quando se sentem melhor, o que faz com que algumas bactérias – as mais resistentes – sobrevivam. Assim, doenças como a tuberculose e a gonorreia já apresentam formas multirresistentes.
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Cartaz que alerta os médicos para não receitarem antibióticos no tratamento da gripe. Imagem:United States Centers for Desease Control and Prevention
No caso dos médicos, a falta de conhecimento sobre mecanismos evolutivos é particularmente alarmante. “Há poucas universidades no mundo que tenham cursos estruturados de ‘medicina darwiniana’. O próprio termo foi cunhado recentemente, na década de 90, nos EUA”, disse Leonor Parreira, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular, numa entrevista à Gingko, em 2009. E acrescentou: “Na Faculdade de Medicina introduzimos seminários de evolução, no âmbito da cadeira de Biologia do Desenvolvimento, apresentados por biologistas da evolução que nos trazem nova forma de pensar e novas ferramentas de investigação. Mas talvez não seja suficiente. Idealmente, a perspectiva evolutiva deveria ser transversal a todas as disciplinas médicas”,É claro que há outros responsáveis por esta situação além dos médicos e dos pacientes. Por exemplo, o problema é ainda mais grave por não existirem novos antibióticos, o que também acontece por a indústria farmacêutica não apostar nessa área de investigação (é mais rentável produzir novos medicamentos para doenças crónicas).Por tudo isto é crucial ensinar e divulgar a teoria de Darwin. No entanto, a tarefa não é fácil, pois ainda há muito quem não acredite que a nossa espécie evoluiu a parir de outros animais – até parece que Darwin não publicou
A Origem das Espécies em 1859, que Mendel não descobriu as leis da hereditariedade em 1900, e que Watson e Crick não desvendaram a estrutura da dupla-hélice do ADN não em 1953.
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Charles Darwin
Os Estados Unidos são uma das faces desta ignorância. Ao longo do século XX, o ensino da Evolução foi banido de várias escolas norte-americanas. Ora, um estudante que chegue à Universidade sem conhecer a teoria da selecção natural terá um raciocínio coxo, que lhe atrasará a compreensão em diversas áreas do conhecimento: biologia, ecologia, geologia, medicina, química, etc.. Segundo os resultados de uma sondagem realizada em 2007, 43% dos norte-americanos acredita que Deus criou a espécie Homo sapiens há 10.000 anos (em 1993 este valor era de 47%).
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Perspectiva sobre a Evolução em diferentes países. Imagem: John D. Croft
Muitos lutam contra esta ignorância. Em Janeiro, James Holt, um dos poucos doutorados do Congresso norte-americano, propôs a criação do Dia de Darwin. “Na História da humanidade raramente surgiu alguém que encontrou uma nova forma fundamental de pensar o mundo – uma perspectiva tão revolucionária que possibilitou outros raciocínios criativos e explicativos. Sem Charles Darwin, o entendimento actual da biologia, ecologia, genética e medicina seria absolutamente impossível, e a compreensão do mundo que nos rodeia seria bastante menor”, salientou Holt em
comunicado, através da American Humanist Association. Provavelmente o Congresso
rejeitará a proposta.Para se perceber o nível de oposição ao Evolucionismo naquela casa recupero um episódio ocorrido em 1999, quando o massacre de Columbine provocou uma onda de consternação, principalmente nos Estados Unidos. Evitar a repetição de tal tragédia passava, inevitavelmente, por explicá-la. O congressista texano Tom DeLay justificou o massacre relacionando-o com o “declínio moral” provocado pelo “ensino da Evolução”, pois, segundo ele, “ensinamos às nossas crianças que elas não são senão macacos que evoluíram de uma espécie de sopa de lama primordial”. No mesmo ano, o Texas retirou o ensino da Evolução dos currículos escolares.Uma última nota: acreditar em Deus não implica rejeitar a Evolução. (Espreite
este gráfico). No caso do catolicismo, em 1950 o Papa Pio XII considerou o evolucionismo uma “hipótese séria”, desde que se distinga, no caso humano, a evolução do corpo da evolução da alma, e em 1996 o Papa João Paulo II classificou a Evolução como uma verdade científica.