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Arca de Darwin

"Look deep into nature, and then you will understand everything better", Albert Einstein

"Look deep into nature, and then you will understand everything better", Albert Einstein

Arca de Darwin

19
Jul18

A intrigante cauda do pavão

Arca de Darwin

Um ano depois de publicar A Origem das Espécies, a cauda do pavão continuava a preocupar Charles Darwin:"The sight of a feather in a peacock’s tail, whenever I gaze at it, makes me sick!"

Charles Darwin, 1860, numa carta dirigida ao botânico norte-americano Asa Gray

Como é que a cauda do pavão-indiano (Pavo cristatus), um empecilho à sobrevivência, foi seleccionada ao longo do tempo? Em A Origem das Espécies, Darwin defende que ela foi objecto de selecção sexual:"Quem já observou atenciosamente aves em cativeiro sabe bem que por vezes manifestam preferências e aversões pessoais; Sir Robert Heron notou que entre as suas aves havia um pavão multicolor que atraía todas as pavoas. (...) tendo em conta o seu ideal de beleza, não vejo por que razão havemos de duvidar que as aves fêmeas podem também conseguir resultados bem marcados nos seus descendentes, seleccionando, ao longo de milhares de gerações, os machos que consideram mais belos ou mais melodiosos."No início do século XX o biólogo inglês Ronald Fisher explicava que as fêmeas preferem machos com "ornamentações exageradas", neste caso, caudas enormes e vistosas (e, no início da evolução da espécie, as caudas maiores até poderiam ser vantajosas durante o voo). Mais tarde, em 1975, o biólogo israelita Amotz Zahavi interpretou a preferência das fêmeas através daquilo a que chamou de Princípio da Desvantagem, ou seja, se um determinado macho consegue sobreviver com tal empecilho, então terá bons genes.Em 1991, a bióloga Marion Petrie estudou pavões que viviam em liberdade em Inglaterra, e concluiu que quantos mais "olhos" (ocelos) tivesse o leque de um pavão, maior seria o seu sucesso reprodutor. Em 2013, Roslyn Dakin e Robert Montgomerie concluíram que, mais do que o número de ocelos, o importante são as cores e o ângulo em que são exibidos às fêmeas.De facto, quando estão a pavonear-se, os machos abanam o leque de um lado para o outro. A verdade é que as cores das penas deve-se mais à arquitectura do que aos pigmentos, o que também acontece com penas e asas de outros animais (nomeadamente em borboletas e quando se trata da cor azul ‒ este vídeo é muito interessante).Para terminar, convém dizer que a escolha das fêmeas também é influenciada pelas vocalizações dos machos (algumas indetectáveis pelos ouvidos humanos). Há vocalizações para atrair as fêmeas e há outras realizadas durante a cópula. Curiosamente, Dakin e Montgomerie descobriram que os machos costumam "fingir" as segundas, para que as fêmeas que estão longe pensem que eles são sexualmente muito activos.

16
Mar13

Darwinismo e Saúde Pública

Arca de Darwin
O aumento de bactérias resistentes a antibióticos é uma ameaça “apocalíptica” que pode espoletar uma “emergência nacional equivalente a um ataque terrorista, a uma pandemia, ou a grandes inundações”. A situação há muito que é preocupante, mas a contundência das palavras proferidas este mês por Sally Davies, directora-geral da Saúde do Reino Unido, não deixaram ninguém indiferente. Segundo ela, daqui a 20 anos os doentes que realizarem uma cirurgia de rotina correm sérios riscos de morrer de infecções.

Staphylococcus aureus, uma das bactérias multirresistentes. Foto: CDC / Don Stalons

No entanto, considera que ainda é possível impedir a catástrofe daqui a duas semanas apresentará a nova estratégia para combater o flagelo: “Temos de trabalhar com todos para nos assegurarmos de que o cenário apocalíptico de resistência antibiótica generalizada não se torna numa realidade".

O que tem isto a ver com a teoria de Darwin e como é que se chegou a este ponto? As bactérias estão em permanente evolução e reagem ao meio que as rodeia. Um das ameaças que enfrentam é a acção dos antibióticos, pelo que ocorre a selecção natural daquelas que resistem a estes medicamentos. Chegámos a este ponto devido ao uso abusivo e incorrecto dos antibióticos. Médicos e doentes partilham parte da responsabilidade pela situação actual: os primeiros, por exemplo, ao receitarem antibióticos para tratar gripes e constipações (que são causadas por vírus, os quais são imunes aos antibióticos); os segundos por interromperem o tratamento quando se sentem melhor, o que faz com que algumas bactérias – as mais resistentes – sobrevivam. Assim, doenças como a tuberculose e a gonorreia já apresentam formas multirresistentes.

Cartaz que alerta os médicos para não receitarem antibióticos no tratamento da gripe. Imagem:United States Centers for Desease Control and Prevention 

No caso dos médicos, a falta de conhecimento sobre mecanismos evolutivos é particularmente alarmante. “Há poucas universidades no mundo que tenham cursos estruturados de ‘medicina darwiniana’. O próprio termo foi cunhado recentemente, na década de 90, nos EUA”, disse Leonor Parreira, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular, numa entrevista à Gingko, em 2009. E acrescentou: “Na Faculdade de Medicina introduzimos seminários de evolução, no âmbito da cadeira de Biologia do Desenvolvimento, apresentados por biologistas da evolução que nos trazem nova forma de pensar e novas ferramentas de investigação. Mas talvez não seja suficiente. Idealmente, a perspectiva evolutiva deveria ser transversal a todas as disciplinas médicas”,É claro que há outros responsáveis por esta situação além dos médicos e dos pacientes. Por exemplo, o problema é ainda mais grave por não existirem novos antibióticos, o que também acontece por a indústria farmacêutica não apostar nessa área de investigação (é mais rentável produzir novos medicamentos para doenças crónicas).Por tudo isto é crucial ensinar e divulgar a teoria de Darwin. No entanto, a tarefa não é fácil, pois ainda há muito quem não acredite que a nossa espécie evoluiu a parir de outros animais – até parece que Darwin não publicou A Origem das Espécies em 1859, que Mendel não descobriu as leis da hereditariedade em 1900, e que Watson e Crick não desvendaram a estrutura da dupla-hélice do ADN não em 1953. 

 Charles Darwin

Os Estados Unidos são uma das faces desta ignorância. Ao longo do século XX, o ensino da Evolução foi banido de várias escolas norte-americanas. Ora, um estudante que chegue à Universidade sem conhecer a teoria da selecção natural terá um raciocínio coxo, que lhe atrasará a compreensão em diversas áreas do conhecimento: biologia, ecologia, geologia, medicina, química, etc.. Segundo os resultados de uma sondagem realizada em 2007, 43% dos norte-americanos acredita que Deus criou a espécie Homo sapiens há 10.000 anos (em 1993 este valor era de 47%).

Perspectiva sobre a Evolução em diferentes países. Imagem: John D. Croft

Muitos lutam contra esta ignorância. Em Janeiro, James Holt, um dos poucos doutorados do Congresso norte-americano, propôs a criação do Dia de Darwin. “Na História da humanidade raramente surgiu alguém que encontrou uma nova forma fundamental de pensar o mundo – uma perspectiva tão revolucionária que possibilitou outros raciocínios criativos e explicativos. Sem Charles Darwin, o entendimento actual da biologia, ecologia, genética e medicina seria absolutamente impossível, e a compreensão do mundo que nos rodeia seria bastante menor”, salientou Holt em comunicado, através da American Humanist Association. Provavelmente o Congresso rejeitará a proposta.Para se perceber o nível de oposição ao Evolucionismo naquela casa recupero um episódio ocorrido em 1999, quando o massacre de Columbine provocou uma onda de consternação, principalmente nos Estados Unidos. Evitar a repetição de tal tragédia passava, inevitavelmente, por explicá-la. O congressista texano Tom DeLay justificou o massacre relacionando-o com o “declínio moral” provocado pelo “ensino da Evolução”, pois, segundo ele, “ensinamos às nossas crianças que elas não são senão macacos que evoluíram de uma espécie de sopa de lama primordial”. No mesmo ano, o Texas retirou o ensino da Evolução dos currículos escolares.Uma última nota: acreditar em Deus não implica rejeitar a Evolução. (Espreite este gráfico). No caso do catolicismo, em 1950 o Papa Pio XII considerou o evolucionismo uma “hipótese séria”, desde que se distinga, no caso humano, a evolução do corpo da evolução da alma, e em 1996 o Papa João Paulo II classificou a Evolução como uma verdade científica.
12
Fev13

Darwin e os pombos

Arca de Darwin
A maioria dos pombos actuais descende de pombos do Médio Oriente e a presença de cristas depende de uma mutação num único gene, informa um artigo publicado na revista Science em 31 de Janeiro.Darwin desconhecia a existência de genes: “As leis que regulam a hereditariedade são pela maior parte desconhecidas”, escreveu ele em A origem das espécies. Mas sabia muito sobre pombos:

“Persuadido que vale sempre mais estudar um grupo específico, decidi-me, após madura reflexão, pelos pombos domésticos. Tenho tratado todas as raças que pude obter por compra ou por outra maneira (...). Em todas as línguas se têm publicado tratados sobre pombos; algumas destas obras são muito importantes, pois que ascendem à mais remota antiguidade. Associei-me a muitos criadores importantes e faço parte dos dois «Pigeons-clubs» de Londres. A diversidade das raças de pombos é verdadeiramente admirável”, exclama Darwin.

Os pombos, apesar da (merecida) má fama por destruírem pinturas de carros, roupas, estátuas e fachadas, tiveram grande importância na concepção da Teoria da Evolução, e Darwin dedica-lhes várias páginas em A origem das espécies: “Por considerável que seja a diferença que se observa entre as diversas raças de pombos, estou completamente da opinião comum dos naturalistas que os fazem descendentes do Pombo torcaz (Columbia livia), compreendendo debaixo deste termo muitas raças geográficas, ou subespécies, que só diferem umas das outras por pontos insignificantes”. Mais à frente lê-se: “(...) quando comecei a tratar dos pombos e a observar as diferentes espécies, eu estava também pouco disposto a admitir (sabendo com que fidelidade as diversas raças se reproduzem), que derivassem todas de uma única espécie mãe”. E, no final do capítulo dedicado aos pombos, lança o repto: “Os naturalistas que sabem bem menos que os tratadores sobre as leis da hereditariedade, que não sabem mais a respeito dos elos intermédios que ligam entre si longas séries genealógicas, e que, contudo, admitem que a maior parte das nossas raças domésticas derivam de um mesmo tipo, não poderiam tornar-se um pouco mais prudentes, e não zombarem da opinião de que uma espécie, no estado natural, pode ser a posteridade directa de outras espécies?”.

14
Dez12

A evolução do olho

Arca de Darwin
Um artigo publicado em Agosto passado no Biology of Sex Differences conclui que os olhos dos homens são mais sensíveis a pequenos detalhes e a objectos que se movem a grande velocidade, e que os das mulheres são mais sensíveis a cores. "Uma explicação possível é que no cérebro encontram-se receptores da hormona masculina, a testosterona, e a maior concentração desta hormona está na parte superior do cérebro – o córtex cerebral - que é a principal zona visual", explica Isaac Abramov, um dos autores do estudo, em entrevista à BBC. “Os homens, no seu papel de caçadores, evoluíram as capacidades que permitiam avistar à distância uma presa ou um animal que pudesse representar uma ameaça com maior precisão, enquanto as mulheres aperfeiçoaram as capacidades para melhorar desempenho como colectoras”, acrescenta a jornalista Laura Plitt. “Descobrir” que os homens são mais “sensíveis” à velocidade e as mulheres às cores não parece grande feito. Mas, pela primeira vez, propor que o complexo olho é um produto da evolução, já é algo assinalável. E assustador!“Supor-se que o olho, com todas as suas peças engenhosas e inimitáveis para ajustar o foco a diferentes distâncias, para admitir diferentes quantidades de luz e corrigir aberrações esféricas e cromáticas, possa ter sido formado através de selecção natural parece, confesso-o espontaneamente, absurdo no mais alto grau possível”, escreveu Charles Darwin em A Origem das Espécies. Quinze anos antes da publicação do livro, Darwin pediu a opinião da esposa sobre um ensaio que escrevera e onde sugeria que o olho humano fora “possivelmente adquirido por selecção gradual de pequenos desvios, mas sempre úteis”. “Uma grande pressuposição”, anotou ela. De facto, anos após a publicação da obra, Darwin escreveu a um colega. “O olho ainda hoje provoca-me calafrios, mas, quando penso nas belas gradações que são conhecidas, a razão diz-me que devo superar estes calafrios”.

Estes episódios sobre o trabalho do Pai da Evolução encontram-se no livro A Escalada do Monte Improvável, onde o autor, o biólogo Richard Dawkins, , entre outras matérias, narra a evolução da preciosa estrutura que é o olho. Diz ele: “Eu não ficaria surpreendido se o ancestral comum a todos os animais sobreviventes, que talvez tenha vivido há 1000 milhões de anos, possuísse olhos. Talvez ele tivesse apenas algum tipo de mancha rudimentar de pigmento fotossensível e só conseguisse distinguir o dia da noite”.

Nautilus. Foto: J. Baecker

Olhando para as “belas gradações que são conhecidas” vemos que alguns animais unicelulares, medusas e estrelas-do-mar não formam imagens, nem percebem de que direcção vem a luz: apenas detectam a presença dela. Dawkins aponta a especialização na captura de fotões como o próximo upgrade no desenvolvimento do olho, que passa por aumentar o número de camadas de pigmento. Mas ainda estamos longe do olho que “provoca calafrios”: “É preciso alguma sensibilidade, ainda que rudimentar, à direcção de onde vem a luz e à direcção, por exemplo, de sombras ameaçadoras. O modo mais fácil de se conseguir isso é forrar uma fotocélula, apenas de um dos lados, com uma tela escura”. Com várias destas fotocélulas forradas, o passo seguinte é curvar a tela, para que estejam voltadas para direcções diferentes. “Uma superfície curva convexa pode dar origem, eventualmente, ao tipo de olho composto que os insectos possuem”, avança Dawkins, que logo alerta para um problema: este olho vê de mais – há muitos raios de luz a entrar em todas as direcções, o que não permite focar uma imagem. Solução? Tornar a taça resultante da superfície curva mais funda e estreitá-la progressivamente. “Olhos com orifício de vários graus de aperfeiçoamento são frequentes no reino animal. O mais extremo dos olhos com orifício é o do enigmático molusco Nautilus, aparentado com as extintas amonites”, conta o autor. A “evolução”, não fica por aqui - há outros “melhoramentos”, como ampliar a imagem que passa pelo orifício -, mas esta “estória” já afasta os calafrios, à semelhança deste vídeo protagonizado por Sir David Attenborough.
26
Out12

O aquecimento do abelhão

Arca de Darwin
Para conseguir voar, o abelhão (Bombus sp.) – tal como um atleta que salta do banco de suplentes para entrar em jogo – precisa de exercitar e aquecer os músculos, até que atinjam a temperatura de 30º.C.

Os pelos (sedas) do tórax permitem manter esta temperatura, alcançada através da vibração dos músculos alares.

Os abelhões não são abelhas – pertencem a outros géneros; são maiores e mais peludos. Como notou Charles Darwin em A origem das espécies, os abelhões têm importante papel ecológico, pois polinizam algumas espécies que as abelhas não visitam.

27
Set12

Tributo ao outro pai da Evolução

Arca de Darwin
A partir de hoje está online, num só site (wallace-online.org), toda a extensa obra do britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913). Quem foi este homem? Tão só o pai da Teoria da Evolução por selecção natural. E Darwin? Também. A verdade é que ambos chegaram à mesma conclusão, ao mesmo tempo, e em separado.

Depois, alguns textos menos “felizes” de Wallace e o facto de ele próprio cunhar o termo “Darwinismo” – título do livro que publica em 1889 e onde defende as ideias de Darwin – consagram Darwin como o genial pai da Teoria da Evolução – e, de facto, é – e remetem Wallace para um lugar secundário na História da Ciência.Os dois “conhecem-se” quando Wallace está na Malásia, em 1858 (Darwin publica A Origem das Espécies em 1859). Wallace, naturalista, envia uma carta a Darwin acompanhada de um manuscrito. Pede-lhe que leia e, caso ache “interessante”, o remeta ao geólogo Charles Lyell. Darwin achou-o mais do que interessante! Ao lê-lo constata que ambos chegaram às mesmas conclusões. É um Darwin perturbado que reencaminha o manuscrito a Lyell. Na carta que o acompanha escreve: “Os seus próprios termos são títulos dos meus capítulos. (...)Toda a minha originalidade será esmagada”. Nesse ano, Lyell sugere  apresentar as teses de ambos na Sociedade Lineana - o que acontece. Darwin e Wallace tornaram-se amigos, e o primeiro sempre tratou o segundo como “co-descobridor” da Teoria de Evolução.Em termos de pensamento, os dois discordaram sobre o alcance do darwinismo: Wallace considera que a selecção natural não explica atributos humanos como a moral e a inteligência. Quanto ao resto da sua obra, os aspectos mais infelizes relacionam-se com incursões no mundo sobrenatural, mas tal não deve apagar o imenso mérito noutras áreas. Wallace foi dos primeiros a alertar para a necessidade de conservar espécies ameaçadas e é também o Pai da Biogeografia. Para este outro “filho” muito contribui o trabalho em que descreve uma “linha” (actualmente conhecida como “Linha de Wallace”), na Ásia, que separa duas comunidades faunísticas diferentes: uma associada à Ásia e outra à Austrália. De facto, a linha resulta do movimento das placas tectónicas, estruturas que, na altura, o mundo desconhecia.

Imagem: Pablo Alberto Salguero