Quase a completar 30 anos,
Local Hero (1983) não perdeu um pingo de actualidade (revi-o anteontem no tvcn2). Na altura poucos terão compreendido as palavras do realizador Bill Forsyth que classificou a obra como “mistura de
Brigadoon e
Apocalipse Now”. Aparenta ser uma comédia romântica, mas é um dos mais importantes, e melhores, filmes ambientais. Porquê?
Brigadoon
Mesmo que não conheça o filme, talvez conheça a banda sonora, a cargo de Mark Knopfler, figura maior dos Dire Straits.
Going home, tema instrumental que encerra o álbum
Alchemy e foi o final de inúmeros concertos desta banda britânica, paira sobre o enredo como personagem omnipresente. A maior parte do filme passa-se na Escócia, numa aldeia à beira-mar. Knopfler, que é escocês, escreveu
Going home à medida que Forsyth lhe mostrava fotografias dos locais onde rodaria película. Cada nota traduz um elemento daquela romântica e deslumbrante paisagem litoral, desde as dunas até à
aurora borealis. Ao som de
Going home regressamos à Natureza. Curiosidade: no filme a música é interpretada durante uma festa por uma banda local, da qual Alan Clark, teclista dos Dire Straits, faz parte.
Apocalypse Now
A sinopse do filme é quase inócua: “Uma companhia petrolífera norte-americana envia um representante à Escócia, com o objectivo de comprar uma aldeia onde se construirá uma refinaria”. Mas os derrames de petróleo que entretanto ocorreram – com o do Golfo do México à cabeça – lembram-nos de que estamos perante um sector que já provocou graves danos ambientais, económicos e sociais. Mais recentemente, o espectro da exploração de petróleo no Árctico, por parte da Shell, e os planos da britânica SOCO International para explorar petróleo no Parque Nacional Virunga, Congo, um dos últimos redutos do gorila, remetem-nos para muitos temas latentes em
Local Hero, da ganância contagiante ao estilo de vida insustentável, passando pelo crescente afastamento face ao mundo natural. À pergunta “Quanto vale a baía?”, Ben (Fulton Mackay), o velhote que herdou a praia onde vive, numa casa de escombros, responde com um sorriso.
Antes e depoisOutros filmes, de marcado cariz ambiental, surgiram antes de
Local Hero, como
Soylent Green (
À beira do fim, 1973) – lançado um ano após a Conferência de Estocolmo, precursora da Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 – e
O Síndroma da China (1979), mas a obra-prima de Forsyth não só antecedeu blockbusters como
Gorilas na Bruma (1988),
Erin Brockovich (2000),
Syriana (2005),
Michael Clayton (2007) e
Avatar (2009), como inspirou inúmeros argumentos, de
Em terra selvagem (1994) e
Corrupção total (1997) e até à série
No fim do mundo (
Northern Exposure), onde encontramos no jovem médico Joel transformações semelhantes às de Mac (Peter Riegert), norte-americano que começa por passear de fato e gravata na praia de Ferness, na Escócia, em ritmo acelerado e sem desviar os olhos do seu interlocutor, e acaba sentado nas rochas, com os pés descalços dentro de água, a apanhar conchas.
A cabine
Todos os anos fãs de
Local Hero rumam a Pennan (Ferness) e detêm-se frente à cabine telefónica vermelha, “personagem” de algumas das cenas mais icónicas do filme. A verdade é que a cabine não existia em Pennan antes da rodagem, mas ali permaneceu após apelos dos turistas e admiradores de
Local Hero. Na era dos e-mails e telemóveis aquele cubículo evoca tempos mais pausados e mais partilhados, e, de certa forma, mais sustentáveis. Essa memória é também uma das grandes virtudes deste filme, mas não é a única.