Evolução, invasoras e a publicação anteriormente conhecida por “jornal de referência”
Chorão-das-praias, Ericeira
A mais recente não é da autoria de um jornalista – é de uma engenheira hortofrutícola e arquitecta paisagista –, mas passou o crivo da edição. Com o título Vamos cultivar suculentas e ilustrado com a foto de um chorão-das-praias, o artigo começa assim: “Erva-pinheira, arroz-dos-telhados ou chorões-das-praias são apenas alguns exemplos destas plantas, que, por serem fáceis de cuidar, são ideais para novatos. Podem ser implantadas em vasos, floreiras ou jardins”. Na verdade, o chorão-das-praias (Carpobrotus edulis) não pode. Porquê? É ilegal, visto tratar-se de uma espécie exótica e invasora. (mais informação sobre este artigo, aqui)
Melro, Parque das Conchas, Lisboa
A mais antiga é um atropelo ao evolucionismo (e não só). Com o título Melros da cidade evoluem e ficam mais tímidos, começa assim: “A revolução industrial teve o condão de acelerar o crescimento das cidades, com um impacto incontornável no mundo natural. Um dos primeiros efeitos observados, que hoje é um exemplo clássico da adaptação de uma espécie ao ambiente, aconteceu quando uma população de borboletas, em poucas gerações, passou a ter asas pretas em vez de brancas graças à fuligem produzida pelas fábricas”. Não percebo bem o que o autor quer dizer, mas o que aconteceu foi que a população de borboletas já tinha variantes com asas pretas e outras com asas brancas (as predominantes antes da revolução industrial). A poluição que depois surgiu escureceu os locais onde as borboletas pousavam. Nestas condições, a cor preta das asas servia de camuflagem, aumentando a probabilidade de sobrevivência desta variante. As brancas destacavam-se no preto e estavam mais vulneráveis aos predadores.Então, e os melros? A escolha do adjectivo “tímido” contraria o que qualquer pessoa facilmente constata quando compara o comportamento desta ave na cidade com o comportamento dela no campo: nos jardins da cidade quase que vêm comer à mão dos humanos; no campo fogem assim que detectam a presença humana. O estudo que serve de base ao artigo do Público refere que os melros da cidade evitam objectos novos no seu habitat, enquanto que os do campo aproximam-se destes elementos estranhos.E assim vai o jornalismo de referência.