Arte urbana no Bairro Padre Cruz (Lisboa)
Há décadas que não ia ao Bairro Padre Cruz, em Carnide, Lisboa. Além do campo de futebol, as memórias que tenho são do bairro mais antigo, formado por pequenas casas brancas, térreas ou de dois andares, muradas e com um jardim. Construídas durante a ditadura, as casas estão dispostas de modo a que os vizinhos vejam o que se passa nas casas uns dos outros.O bairro mudou muito nos anos 90, com a construção de avenidas de prédios coloridos de seis andares que fizeram dele o maior bairro municipal da Península Ibérica (e o 3.º ou 4.º maior da Europa). Também há novos prédios brancos (e azuis) ostracizados ainda para lá da linha que separa a rivalidade entre novo e velho.
O mural de Bigod evoca as memórias de infância do próprio artista. Curiosamente, o neto senta-se do lado do bairro novo, e a avó do lado do bairro velho.
As ruas do bairro velho têm nomes de rios, o que inspirou esta obra de Leonor Brilha.
As figuras desta peça de RAM (Miguel Caeiro) estão a entrar numa nave espacial que representa o bairro novo.
À frente da peça de RAM está O Fugitivo de MAR (parceiro de MAR em ARM_Collective), um refugiado que foge da guerra e que veste toda a roupa que possui.
O bairro velho está a desaparecer e a ser substituído por edifícios brancos de dois andares com algumas particularidades interessantes: painéis solares, reservatório para recolha da água das chuvas no terraço, e dois mini-jardins para que os moradores realojados mantenham a ligação à terra e o usufruto da mesma. Quanto à arte urbana, há muito que é uma ferramenta de intervenção no bairro: em 1996 a Associação Juvenil Renascer realizou o 1.º Festival de Grafiti; em 1997 decorreu a 2.ª edição; em 2016 surgiu neste bairro a 1.ª edição do Festival MURO, organizado pela GAU em colaboração com a Junta de Freguesia de Carnide; e, ainda em 2016, ocorreram mais intervenções no âmbito do projecto "Criar mudança através da arte urbana", iniciativa da Boutique da Cultura e da Crescer a Cores.
Obra dos holandeses Telmo e Miel
Obras de 2CarryOn
Para visitar as pinturas, consulte o site da Junta de Freguesia de Carnide ou a página da Boutique da Cultura no Facebook. Relembro que também pode visitar a Quinta do Mocho, onde pode optar pelo passeio guiado (disponível todos os dias) por guias do próprio bairro, ou por passeio e almoço típico africano.O Festival MURO vai além da arte urbana e inclui conferências, cinema, oficinas, música e animação de rua. A 2.ª edição do festival realizou-se em 2017, em Marvila, e a 3.ª acontece este mês, entre os dias 23 e 26, no Lumiar. Além das pinturas, o Festival MURO trouxe outras expressões de arte urbana ao Bairro Padre Cruz, nomeadamente esculturas, como o Pi G de Bordalo II e o "estúpido" — entretanto baptizado de Nélson pela população — da autoria de Robert Panda. Se visitar o Nélson na próxima semana talvez o encontre com um cachecol vermelho ao pescoço, pois tal já é tradição quando o Benfica ganha o campeonato. Os artistas tiveram conversas prévias com os moradores de modo a que houvesse sintonia entre as obras, o espaço e as pessoas. Isso nem sempre aconteceu, pois é impossível agradar a toda a gente, e alguns artistas são mais flexíveis do que outros. O fervor futebolístico que pode fazer com que o Nélson volte a perder a cabeça, também levou a que a águia de Styler fosse verde, para não ofender os moradores sportinguistas do prédio em frente (que, infelizmente para eles, tem vista para o Estádio da Luz). Uma senhora disse que a "mulher sem cabeça" do seu prédio é "a pior pintura de todas" — obra do brasileiro Márcio Bahia — e que preferia ter a "senhora do chapéu" — de Nomen —, que é "a melhor pintura de todas". A pintura do mercado de Daniel Eime peca pelas "cores monótonas" e por exibir um rosto de alguém que "não pertence ao bairro". Já a empena de Gréc & Hyte, que tem cores mortiças e desenhos algo "simples", é um verdadeiro sucesso: cada quadrado representa um episódio que de alguma maneira marcou um dos moradores do prédio. Se é certo que as empenas do Bairro Padre Cruz contam com obras de muitos artistas consagrados, há também que assinalar duas estreias: a de Rita Graça e a do morador local Favita (Diogo Camilo), com a imagem de Natália Correia pintada na biblioteca com o seu nome.Uma última nota de destaque: o mural de homenagem aos cantoneiros que mantêm o bairro em óptimas condições, da autoria de Francisco Camilo.Eis mais algumas peças que pode ver no Bairro Padre Cruz:
Utopia
Observ
Jota Aracê
Oze Arv
Smile
Slap
Borondo
Felix Spok Brillor
Mr. Dheo
Luís Managem
Ôje
Johnny Double C
NADA
ART'odidacta