Em Portugal, jornalismo e Natureza têm relação difícil. É certo que já lá vai o tempo em que os meios de comunicação, sobre este tema, pouco mais noticiavam do que efemérides (extinção e descoberta de espécies) e efeitos das forças naturais, mas a maioria das reportagens sobre o património natural assenta em faits divers (nascimento de uma cria; animal que “saiu” do seu habitat e invadiu o espaço humano; etc..). A falta de treino em abordar o tema não justifica que, ao fazê-lo de forma mais “séria”, ponham-se de lado princípios éticos do jornalismo, como aconteceu numa recente reportagem da SIC Notícias (27 de Outubro) intitulada "Aldeia em S. Pedro do Sul "aterrorizada" com ataques de lobos".Diz o jornalista na peça: “Há cerca de seis anos foi feito um repovoamento dos lobos na serra de São Macário”. Não foi. Nem na serra de São Macário nem em qualquer outro local de Portugal, nem há seis anos, nem noutra data qualquer. Aliás, em toda a Europa a expansão do lobo acontece de forma natural, sem repovoamentos.
Além dos factos errados – evitáveis se o jornalista, como lhe compete, recolhesse informação de outras fontes, por exemplo, biólogos -, a reportagem cria temor e insegurança nas populações que partilham o espaço com os lobos. Sem a participação e colaboração destas pessoas não é possível conservar esta e outras espécies, principalmente quando se trata de grandes predadores. Daí que os biólogos invistam, e muito, na sensibilização ambiental das gentes do campo. Esse trabalho é posto em causa pelo jornalismo sensacionalista, como refere Sara Roque, numa outra reportagem sobre os lobos e os pastores de Covas do Monte, publicada no fim-de-semana passado na revista Notícias Magazine, intitulada "Na guerra aos lobos não há vencedores". Sara “trabalha com o Grupo Lobo e, durante mais de uma década, monitorizou a vida deste grupo de predadores”, escreve o autor. E acrescenta: “Não dá a cara, mas fala: «Eu hei de continuar a trabalhar com estes animais e hei de continuar a ir para o terreno. Se os pastores reconhecerem o meu rosto numa revista, vão ver-me à partida como um inimigo e isso vai condicionar o meu trabalho.»”.
A directora executiva da revista, Catarina Carvalho, alheia a esta declaração, apela à leitura da peça num artigo cujo despropositado título é “Uma guerra civilizacional”. Segundo ela, esta “guerra civilizacional” opõe “o Portugal moderno das leis de protecção animal que esbarra no Portugal decadente e pobre, das aldeias abandonadas do interior”. No artigo que promove, este “Portugal moderno” que protege os animais é assim retratado: “Um incêndio em 2010 destruiu a maior parte da serra, reduzindo ainda mais as escassas zonas de conforto do Canis lupus signatus, nome científico da vertente ibérica. Entre 2007 e 2009, cinco parques eólicos foram construídos nas cumeadas que o lobo costumava ocupar. Abriram-se novas estradas, limparam-se os matos, os trilhos que poucos se aventuravam a fazer a pé são agora acessíveis aos automóveis. E o lobo cada vez mais acossado, empurrado para um canto”.
A forma como os lobos e os prejuízos que os seus ataques a rebanhos provocam às gentes de Covas do Monte são tratados nestes dois meios de comunicação mostra como ainda há muito a fazer na relação entre investigadores e jornalistas. Os primeiros têm de interiorizar que comunicar é parte importante do seu trabalho. Os segundos têm, pelo menos, de respeitar as regras base do jornalismo.