Em Lisboa há algumas casas com mais de 265 anos. Quando olhamos para elas viajamos no tempo e temos um pequeno vislumbre de como seria a vida na primeira metade do século XVIII. Para chegarem até aos dias de hoje, estas casas não tiveram apenas de resistir ao teste do tempo: elas tiveram de sobreviver a um dos maiores sismos de que há memória, ao tsunami que varreu a zona ribeirinha alguns minutos depois, e aos incêndios que consumiram a cidade durante os seis dias seguintes. O Terramoto de 1755 ocorreu no dia 1 de Novembro, às 9h40, altura em que as igrejas estavam apinhadas para a comemoração do Dia de Todos os Santos.
Beco de São Miguel
No livro Os Grandes Desastres, de Lucy Jones (2019, Vogais) encontramos a descrição desse dia feita pelo reverendo inglês Charles Davy, que na altura vivia em Lisboa:
Fiquei […] aturdido por um estrondo horrível, como se todos
os edifícios da cidade tivessem ruído ao mesmo tempo. A casa
em que estava abanou com tal violência que os andares superiores
caíram imediatamente; e embora o meu apartamento
(que era no primeiro andar) não tivesse então tido o mesmo
destino, tudo foi no entanto afastado do seu lugar de tal modo
que foi com grande dificuldade que me mantive em pé, e esperei
ser rapidamente esmagado até à morte, pois as paredes
continuaram a abanar do mais horrendo modo, rachando-se
em vários sítios; grandes pedras caiam das rachas por todo
o lado, e as pontas de muitas das vigas saltavam do telhado.
Rua dos Cegos, n.º 20, 22, por trás da homenagem de Vhils, e dos calceteiros, a Amália Rodrigues.
Perante este cenário, muitos fugiram para perto do rio. Davy escreveu:
Virando os meus olhos em direcção ao rio, que naquele
local tem quase seis quilómetros de largura, conseguia vê-lo
agitando-se e ondulando-se de um modo quase inexplicável,
pois não havia vento que se mexesse. Num instante ali
apareceu, a pequena distância, uma grande massa de agua,
erguendo-se como se fosse uma montanha. Veio a espumar
e a rugir, e correu em direcção à margem com tal ímpeto, que
todos corremos imediatamente o mais depressa possível pelas
nossas vidas; muitos foram na verdade levados, e os restantes
ficaram com água acima do peito a boa distância da margem.
Beco da Achada. Edifício do século XIV ou XV
O fogo, que teve origem nas lareiras de cozinha e nas inúmeras velas acesas em homenagem aos mortos, consumiu o que restou da capital. Em 1755, Lisboa era a 4.ª maior cidade da Europa, atrás de Londres, Paris e Viena. Nela viviam cerca de 300 mil pessoas das quais, segundo algumas estimativas, 90 mil morreram em consequência do Terramoto de 1755 (outras estimativas apontam para um número mais reduzido, mas ainda assim impressionante, de mortos: 40‒50 mil).
Largo do Menino Deus. Século XVI
No Poema sobre o Desastre de Lisboa, o filósofo francês Voltaire escreveu em 1756:
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas,
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam!
Largo do Chafariz de Dentro
O sismo, o tsunami e os incêndios que se seguiram destruíram 85 por cento dos edifícios de Lisboa. O sul do país, sobretudo o Algarve, os Açores e a Madeira também foram afectados. O tsunami, provocado pelo sismo de magnitude 8,5 a 9 (João Fonseca, do IST, estimou este ano que o sismo terá sido de apenas 7,5 ±0,5) — que resultou de a placa africana chocar contra a placa euroasiática ―, causou inúmeras mortes em Marrocos e foi ainda sentido do norte da Europa, nomeadamente na Finlândia, até às ilhas Antígua, Martinica e Barbados.
Rua dos Bacalhoeiros. Edifício amarelo junto à Casa dos Bicos. Na altura tinha apenas quatro andares.