Tradidanças 2024: um festival diferente
A 6.ª edição do Tradidanças – Festival de Tradições, Dança, Música e Natureza decorreu de 31 de julho a 4 de agosto em Carvalhais, São Pedro do Sul. Ainda não tinha estado no Tradidanças na sua nova localização: deixou o campo de futebol (palco também do antigo Andanças) e passou para o outro lado da rua, para junto da cantina e do parque do campismo, no local onde antes ficavam as autocaravanas.
O resultado mais óbvio desta mudança é um festival muito mais fresco graças à sombra, à muita sombra de que se desfruta em praticamente toda a área do recinto.
Abro aqui um parêntesis porque a existência de dois festivais, Andanças e Tradidanças, pode ser confusa para quem não os acompanhou desde o início. Em resumo, o Andanças começou em 1996, em Évora, pela mão do já nosso conhecido Paulo Pereira em conjunto com dois amigos, e passou depois para a Serra da Gralheira, rumando em 1999 a Carvalhais onde, se bem me lembro, ficou até 2012. Quando, em 2013, a nova direção do Andanças decidiu deslocar o festival para a Barragem de Póvoa e Meadas, em Castelo de Vide, Carvalhais ficou órfã de um evento com o qual contava e ao qual se afeiçoara. Por um lado, a população não só se empenhava na organização do festival como também participava diretamente nele, em particular durante os bailes noturnos. Por outro, o festival acabava por ser um fator de desenvolvimento económico e social, até porque muitas pessoas que ali iam por causa do festival regressavam noutras alturas para conhecer melhor a região. Para colmatar a ausência do Andanças o Tradidanças surgiu em Carvalhais em 2017, no mesmo local onde antes se havia realizado o Andanças. Quem está agora à frente do festival é a Filipa Estevão Pereira, a mulher do Paulo. Quanto ao Andanças, passou da Barragem para a cidade de Castelo de Vide, e atualmente é um evento bienal que se realiza no Campinho, em Reguengos de Monsaraz.
De volta ao Tradidanças, como a sua designação completa indica, este é um festival muito diversificado: há animação de rua; há oficinas de dança e de desenvolvimento pessoal, bailes e animações nos diferentes palcos; há concertos no palco principal e na igreja; há viagens de tradição e viagens de natureza; há oficinas sustentáveis e oficinas de instrumentos musicais; há um espaço lúdico-intergeracional… e há toda a beleza natural de Lafões que se encontra em volta.
Todas estas atividades convidam à participação ativa. A diversidade existente leva a que cada pessoa crie o seu próprio festival e acabe por ter uma experiência necessariamente diferente da de qualquer outra pessoa. E essa experiência é amiúde transformativa, porque nos sentimos inspirados a fazer coisas fora das nossas zonas de conforto, descobrindo novos interesses, aprendendo novas competências, fazendo novas amizades - é um festival que faz bem à alma.
As oficinas de dança são o prato principal do festival. A diversidade é imensa e o mais difícil é escolher. O programa deste ano incluiu danças havaianas, espanholas, street dance, milonga, bollywood, capoeira, tango, tradicionais irlandesas, afro-venezuelanas, portuguesas, salsa, lindy hop, forró, atlânticas e europeias, ceilidh, gregas antigas, valsa…
Mas o contacto com a Natureza é também um enorme atrativo. Vou começar por referir não a Natureza que faz oficialmente parte do festival, mas toda aquela que se encontra na zona de Lafões (concelhos de Oliveira de Frades, São Pedro do Sul e Vouzela). Esta região é lindíssima e merece bem uma visita. Há alguns posts antigos aqui na Arca que retratam uma pequena parte desta beleza. Destaco duas vertentes. Primeiro, e porque o festival se realiza em pleno verão, alguns dos locais onde se pode dar um mergulho em plena comunhão com a Natureza mais ou menos perto do recinto: Poço Azul, Poço Negro, Poços do Rio Teixeira, Poço Prego do Sino (também conhecido por Poço Pequeno, o único suficientemente perto do recinto para se poder ir a pé; aos outros tem de se ir de carro) e Praia Fluvial de Pouves. Depois as várias espécies que se encontram em torno do parque (muitas delas nestes mesmos poços e praia): doninha, sardão, rã-ibérica, borboleta cinzentinha, borboleta grande-laranja, borboleta esverdeada, libelinha gaiteiro-azul…
Quanto à Natureza «oficial», o festival tem as chamadas Viagens de Natureza, que se realizam da parte da manhã. Fui a três destas, duas “guiadas” pelo supracitado Paulo Pereira, que além de músico também é biólogo, e a outra pela Sandra Antunes, ambos da empresa NBI – Natural Business Intelligence. O Paulo partilha sempre uma infinidade de conhecimentos interessantes neste tipo de passeios — o primeiro foi sobre Biodiversidade e Soluções de Base Natural na Serra da Arada e o segundo teve por título À Descoberta das Plantas Medicinais e Comestíveis. Neste último, o Paulo foi apanhando algumas plantas comestíveis que encontrou no recinto e no fim preparou uma sopa, que ainda levou uns cogumelos que havia colhido alguns meses antes e outras plantas apanhadas no dia anterior. E estava bem boa! (Ao início salgada, por acidente, mas nada que a adição de água não resolvesse.)
Também falou da importância de usarmos os diferentes sentidos quando estamos a aprender a identificar uma planta. E, se a memória não me falha, também falou da importância de associarmos uma história à planta, caso contrário, não nos iremos lembrar dela. Uma história que achei curiosa foi a do verbasco (Verbascum virgatum), também conhecido por barbasco, blatária-grande, blatária-maior e verbasco-das-varas, que não é comestível, mas cujas folhas fofas eram usadas como palmilhas.
Verbasco (Verbascum virgatum)
Da viagem conduzida pela Sandra, a Odisseia de Borboletas e Libélulas, aquilo que mais me apetece destacar é a quantidade de crianças que participaram e que durante algumas horas estiveram concentradas em apanhar todo o tipo de insetos, o que conseguiram com grande destreza, utilizando apenas um pequeno copo de plástico e a respetiva tampa, sem precisarem da rede de borboletas. Os insetos foram depois identificados pela Sandra, que também respondeu às perguntas sobre a sua biologia e partilhou algumas curiosidades sobre os mesmos.
Libelinha-vermelha-pequena (Ceriagrion tenellum) identificada pela Sandra (1.ª foto) e fotografada por mim (2.ª foto)
As Viagens de Tradição têm também uma forte ligação ao mundo natural. As deste ano foram, por exemplo, Serra da Arada e Broa, Água Quente e Vinho, São Macário e Linho.
Depois de passeios, banhos e oficinas, o corpo precisa de algum descanso. Ao final da tarde, há várias oficinas de relaxamento nos diferentes palcos.
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À noite, estes mesmos palcos recebem concertos onde se pode pôr em prática o que se aprendeu nas oficinas de dança durante o dia.
Já o palco principal recebe os cabeças de cartaz. Um deles foi o Vasco Ribeiro Casais com o seu projeto Omiri que vale muito a pena conhecer — para ficar com uma ideia mais clara, espreite, por exemplo, este vídeo. Como se pode ler no seu site, o projeto mistura «num só espetáculo práticas musicais já esquecidas, tornando-as permeáveis e acessíveis à cultura dos nossos dias, sincronizando formas e músicas da nossa tradição rural com a linguagem da cultura urbana». Já tinha tido o prazer de assistir a um concerto há uns meses no B.Leza, em Lisboa, onde o Vasco teve duas bailarinas a acompanhá-lo em palco. No Tradidanças, convidou para o palco vários artistas, como o Paulo Pereira, A Cantadeira, Tozé Bexiga, Fio à Meada, Porbatuka e Cant’a3Vozes. Uma noite memorável.
Para o ano há mais.